terça-feira, 1 de dezembro de 2009

RESENHA SOBRE TRÊS TEXTOS DE PSICOLOGIA E CONTEMPORANEIDADE.


Este trabalho é uma resenha de três textos sobre psicologia, a saber, Modernidade e produção de subjetividade: breve percurso histórico, de Deise Mancebo. O segundo texto sendo A Psicologia como reflexão sobre as práticas humanas: da adaptação à errância, de Márcia Moraes, e o terceiro sendo Indivíduo e Psicologia: gênese e desenvolvimento atuais, de Deise Mancebo. O objetivo desta resenha é uma articulação entre as discussões que estão nos três textos de uma forma crítica e reflexiva.

Historicamente o conhecimento faz parte da formação da humanidade como civilização e como capacidade de pensamento e construção histórica. Desde a filosofia antiga, onde seu primeiro momento o que interessanva era entender o cosmos, o universo, a physis, sendo portanto uma cosmologia, este período abarca o pensamento e especulações dos grandes pensadores Pré-Socráticos. Com Sócrates acontece a primeira grande virada de interesse do estudo na filosofia, o que importa agora não é só o cosmos, o que está fora, mas agora o que passa a ser importante é o homem, e a grande pergunta portanto é, o que é o homem? Entramos no momento crucial de início da construção filosófica-social do homem como Estatuto Ontológico. Com o nascimento do Cristianismo uma nova mudança de foco vai acontecer, agora o que importa é a Fé, a Igreja vai dominar durante séculos, e isso vai ter repercussões profundas na formação social do homem. Com Descartes e o início da modernidade entra em questão a razão, a grande questão da Idade Moderna é a Razão. Descartes vai operar uma mudança de paradigma, vai inverter a ordem da importância do objeto de estudo, se desde Platão até o fim da Idade media o que importava era o objeto do conhecimento e não o sujeito, Descartes vai fazer essa virada epistemológica trazendo o sujeito para o primeiro plano de importância, e desde então a formação desde sujeito vem sofrendo inúmeras mudanças em seu percursso histórico-social. Já na Idade Contemporânea a grande questão é a crise da razão, e essa crise vai trazer imensas repercussões para o campo da psicologia e das ciências sociais.
Com a Revolução Industrial, as questões políticos-socias e o nascimento da Psicologia como ciência autônoma, separada da filosofia, passa a ter seu Estatuto Epistemológico próprio. Com todas estas mudanças, a formação desse sujeito passou por profundas transformações, onde a formação da subjetividade tem uma importância fundamental. É interessante pontuar que desde o Renascimento, passando pelo o Iluminismo e chegando até os dias atuais, uma das questões centrais vai ser essa relação do público com o privado e das questões que estão diretamente ligadas à subjetividade, não esquecendo que a ética é parte fundamental deste processo.
Nos três textos um fio de reflexão que perpassa os três é a problematização do indivíduo na sua construção histórica, social e psicológica. A formação do sujeito e suas complexidades têm sido um tema de profundo interesse de pesquisa tanto nas ciências sociais como na psicologia, na filosofia e na Antropologia. É interessante ver o modo de construção histórica do sujeito e sua formaçãpo de identidade, sua forma de se relacionar com o mundo o com os outros, e como na contemporaneidade vem sendo criado uma cultura do individualismo, do narcisismo e da consumismo.
O texto de Márcia Moraes problematiza uma questão importante para a psicologia que é a questão do erro. No início do texto ela já faz uma questionamento fundamental: por que o problema do erro é tão fundamental para a psicologia? E como a psicologia trata o erro? São questões epistemológicas importantes de serem pensadas para uma prática psicológica. A autora traz alguns fios condutores para essa discussão. O primeiro deles é considerar o erro o inverso do acerto, considerando suas consequências. O segundo considera o erro como positivo, como campo propício de invenções e possibilidades de criação, nesse campo é importante a contribuição de Canguilhem com seu estudo sobre O Normal e o Patológico, e as contribuições do pensamento de Bruno Latour, aliado à filosofia de Deleuze, Guattari e Foucault. No texto, a autora mostra a relevância que Foucault faz sobre a história da psicologia do século XX:

Foucault salienta que até metade do século XX a história da psicologia é a história paradoxal das contradições entre o projeto de reconhecer no homem as mesmas leis que regem a natureza os postulados que norteiam a construção da psicologia como ciência objetiva. Em outras palavras, com o intuito de mostrar que o homem era uma extensão da natureza, a psicologia ergueu-se a partir dos postulados de rigor, objetividade, neutralidade. (Foucault, 1990).


Foucault no seu pensamento nos traz questões que exigem reflexões, pois são instigantes e provocativas, além de serem coerentes com o contexto atual. O pensamento de Foucault tem três fases importantes, a saber, a Arqueologia do Saber, a Genealogia do Poder e a Estética da Existência, formando uma relação entre saber, poder e verdade. Questões como a sociedade de controle, as questões de poder, de dominação, do disciplinamento, do biopoder, o controle do corpo e dos desejos numa sociedade utilitarismta e controladora, entre outras. Para Foucault a psicologia contemporânea é uma forma de análise do patológico, do anormal, dos conflitos e das contradições. A forma que o homem encontrou de se adaptar a tudo isto foi através da contradição, dos desajustes, das resistências, das errâncias e da criatividade, segundo a autora. Retomando a questão do erro, ele tem seu lado negativo, mas também, tem seu lado positivo de criação e possibilidade de novas realidades, de devir. A errância traz em si a questão da potência, potência de ultrapassar limites e criar novas possibilidades como uma rede de coisas que vão se tocando e se complexificando, criando a todo momento um novo devir, uma nova realidade. Segundo a autora, a questão da rede que Bruno Latour coloca é no sentido de rede como fluxos, movimentos, alianças, e não como rigidez. Atuar em rede é atuar em conexões. A teoria de rede são pensadas como entrelaçamento de saberes, com infinitas possibilidades de conexões de saberes, onde há relações de força, em linhas de fuga, com flexibilidade, tensões e tudo o que possa acontecer. Os saberes vão se rearranjando de várias formas, com tensão ou não, e com isso a riqueza dessas construções e de tudo o que está envolvido é muito maior.

Foucault (1983, 1986) é uma referência central nesse campo investigativo, ao preocupar-se com a identificação e análise do processo pelo qual se dá a tomada do poder sobre os corpos, na sociedade ocidental. Seus trabalhos procurarão cobrir a trajetória das diversas tecnologias de poder e o controle social produzido pelos dispositivos disciplinares e pela normalização técnico-científica, de modo a apresentar-nos a modernidade, criticamente, como uma era de domesticação dos corpos. Sob o ideário tecnocrático-disciplinar, “a administração dos comportamentos individuais, alcançável mediante uma visibilidade, conhecimento e controle mais planejado dos comportamentos, ganha espaço no tecido social, de modo que as instituições educacionais, corretivas, de saúde, de lazer passam a participar dessa agenda, assumindo funções diagnósticas, disciplinares e preventivas” (Mancebo, 1999-b, p. 56).

No texto de Deise Mancebo, Individuo e Psicologia: Gênese e desenvolvimento atuais, A autora pretende neste texto fazer uma discussão sobre o conceito de indivíduo e algumas caracterísitcas, como o seu retraimento sobre si mesmo, a psicologia como um saber disciplinar e normatizadora que privilegia a vida psíquica privada em detrimento da vida coletiva. O conceito de indivíduo é uma construção histórico-social. Na modernidade Descartes Obviamente que com o Cógito Cartesiano e seu dualismo psicofísico de mente-corpo, também vai gerar discussões e construções teóricas dualistas e dicotomicas, como a modernidade produziu esse eu? Criando uma representação do sujeito (ou indivíduo, como chama a autora) na sua forma mais íntima individualizada. A autora nos traz dois sentido de expressão de indivíduo segundo Dumont:


(1)O sujeito empírico da palavra, do pensamento, da vontade, amostra indivisível da espécie humana, tal como o observador encontra em todas as sociedades; e (2) o sujeito moral, independente, autônomo, e assim assencialmente não social, tal como se encontra, sobretudo, em nossa ideologia moderna do homem e da ssociedade. (Dumont, 1985. P. 29)


O texto fala das novas abordagens da psicologia social, mostrando qual perspectiva ela quer focar nessa discussão. A partir das críticas feitas ao positivismo, a psicologia passa por mudanças e reformulações. O texto já aponta para a crise vivida em relação à psicologia social americana, mostrando a necessidade da psicologia social latino-americana ter um maior enraizamento nos problemas que são próprios de sua realidade, deixando de lado a dominação americana, e criando seus próprios caminhos, tanto científicos, como teóricos e psicológicos. Nesta perspectiva, a autora nos mostra a importância dos aportes teóricos que fizeram parte desse movimento, como o materialismo dialético, e a contribuição de importantes pesquisadores como Leontiev, Luria e Vigotsky. Houve a criação da Alapso (Associação Latino-Americana de Psicologia Social, da qual o Brasil fez parte por um tempo, e depois rompendo e criando sua própria associação, a Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social), criando desta forma uma psicologia social brasielira voltada para os interesses das classes mais desfavorecidas, voltando sua atuação para a população pobre e suas demandas, para a realidade brasileira como ela se apresenta, e não através da imposição americana. É fundamental não esquecer que a construção deste caminho teórico social e subjetivo não se faz desvinculado da realidade em que ela se auto-gera. Como a autora coloca no texto que a realidade é uma construção coletiva, ou seja, tudo está interligado e interagindo o tempo inteiro, lembro aqui do conceito de rede, onde tudo está em conexão o tempo inteiro criando novas realidades que vão se modificando o tempo inteiro, num devir constante. Neste processo de constução social a subjetividade está presente o tempo inteiro, e não apenas a objetividade que os positivistas exigem em um processo científico. É importante não esquecer que mesmo neste processo subjetivo, não exclui a normatização e seus mecanismos de controle e biopoder.
A autora vai trazer a individualização deste sujeito em alguns graus diferentes, mostrando o Individualismo Liberal, o Racionalismo Administrativo, Tecnocrático e Disciplinar, o Individualismo e Coletivismo Românticos. O Individualismo Liberal, formulado por John Locke, um filósofo contratualista, ele sustenta a tese dos direitos naturais do indivíduo, e esses direitos tem que ser defendidos por um Estado, ou seja, ao estado cabe a mediação entre as relações entre os indivíduos para não haver violação das leis entre eles, e quando houver a violação, o próprio Estado passa a intervir. O Racionalismo Administrativo, Tecnocrático e Disciplinar, se apóia nas idéias liberais mas, exige mais eficiência e utilidade. O Utilitarismo já traz em si questões de poder e controle, as funções disciplinares e preventivas, práticas de normatização do indivíduo para ser mais útil ao processo de exploração do mercado de trabalho, que vem desde o liberalismo até o neoliberalismo com suas consequências da exploração do homem em vários níveis e com várias consequências. Já na questão do Individualismo e o Coletivismo Romântico, no pensamento romântico alemão se dá como crítica ao liberalismo e ao individualismo, sendo uma proposta de resgate dos valores autênticos, éticos, do retorno ds relações espontâneas entre os homens, do retorno à vida coletiva e individual com ênfase na potência de cada um e do todo.
Os três textos nos possibilitaram pensar várias questões importantes para a psicologia, possibilitando reflexões que enriquecem essa discussão, procurando ampliar os horizontes de entendimento de toda essa formação do sujeito e do processo de subjetivação, da construção do social e dessas inter-relações. Possibilitando um mergulho mais aprofundado nestas temáticas e uma melhor formação como psicólogo e como Ser.

JANAINA ISMENIA DE MELO.

Nenhum comentário:

Postar um comentário