quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

CAMA DE ASFALTO!!!



O sol espalhava seus primeiros raios tingindo tudo de esplendor, quase tudo, pois chegava aos olhos de Régis que acordava praguejando mais um dia que começava. Tudo lhe doía, pois sua cama era o chão duro forrado com um pedaço de papelão, quando tinha papelão, quando não, era o asfalto cru mesmo. Levantou, olhou ao redor, mas dentro de si tudo era cinza, perguntava-se interiormente por que tinha que ser assim? Por que sua vida tinha sido um fracasso? Tantas dúvidas lhe corroíam as entranhas, mas naquele momento a fome gritava mais alto, precisa comer algo. Enrolou seu papelão e cobertor velho e surrado e pendurou na árvore que lhe servia de guarda cama. Saiu em busca de algo para comer. Caminhava praguejando a vida, ia pedindo a um e a outro sem nada conseguir. Ficou estacionado na saída de uma padaria, pedindo esmolas.




Não conseguia sair de dentro de si e de sua miséria e olhar ao redor, se oferecer para ajudar alguém, não se dispunha a pequenos trabalhos para ganhar alguns trocados, só queria pedir e ganhar sem esforço. Vivia tomado por pensamentos nebulosos e negativos, como se uma horda de espíritos ruins estivessem sempre lhe acompanhando, e percebia que aonde chegava as pessoas se afastavam, pois seu olhar e seu cheiro causavam mal-estar.


Nasceu numa favela, numa família de onze irmãos, sempre apanhava muito do padrasto, e um dia não agüentando mais apanhar e ver a mãe apanhar, fugiu de casa, saiu sem olhar para trás e nunca mais voltou. Todos os dias pensava em sua mãe, com um misto de raiva e pena, sentia saudade dela e de seus irmãos, o que será que teria acontecido com cada um? Será que o miserável do padrasto já teria morrido? Todos os dias essas questões povoavam seus pensamentos. Desde que fugiu de casa aos doze anos já tinha passado por muitas situações de risco, já tinha passado fome, já tinha cheirado muita cola, já tinha roubado, mas nunca tinha matado. Vivia como folha seca solta ao vento rolando de um lugar para outro de acordo com a força do vento. Fugir de casa aos doze anos, no começo da adolescência, tinha sido um rito de passagem muito doloroso para sua alma, que até o presente ainda causava dor e angústia, pois a dor da falta da mãe ainda lhe corroia a alma. Sabia o que era solidão, abandono, fome, frio, seu coração tinha secado, se enrijecido, se fechado para o mundo. Não sabia nada sobre amor, família, fraternidade e valores maiores que aquecem o coração e a alma. Sentia muita falta de viver esse lado bom da vida. Estava cansado de viver de esmolas, de resto de comida dos outros, de rejeição. Estava cansado demais da vida, sua vida tinha sido um erro, pensava ele. Vinha pensando em acabar de vez com seu sofrimento, todo dia pensava numa forma diferente de morrer. Nos últimos dias juntava-se aos outros homens que vivam na mesma condição que ele, que estavam sozinhos na rua e dormiam no asfalto, e bebiam tudo que conseguiam de bebida durante o dia, bebiam para esquecer a dor, a fome e o abandono. Não queria saber de Deus, não acreditava em nada. Agora só queria saber de dar fim ao seu sofrimento. Num certo domingo, depois de beber muito com o grupo que vivia ali na rua com ele, sentindo-se completamente bêbado, lembrou que queria acabar com sua vida, e aquele seria o momento, pois estava tão bêbado que não sentiria. Ficou olhando a rua e viu que vinham alguns carros, saiu em disparada em direção à rua e sentiu o baque, sentiu-se desfalecer. Quando acordou já estava no hospital, todo entubado, com soro, tinha sido um acidente sério, tinha quebrado as duas pernas, um braço, quebrado quatro costelas e tinha perdido muito sangue, seu quadro inspirava cuidados e ficaria vários dias internado. Olhou ao redor e viu um senhor que não conhecia. O senhor aproximou-se e falou sobre o acidente, ele contou que o homem que o tinha atropelado tinha fugido, ele vinha atrás, e viu tudo, parou, chamou a ambulância e acompanhou tudo. Ele era pastor e estava orando para ele se restabelecer.


“Não perca tempo comigo pastor, eu sou uma ovelha negra, perdida. Deus não olha para mim, sou uma causa perdida, aliás, deveria ter morrido, teria sido muito melhor”.


“Não diga isso meu filho, Deus nunca desiste de seus filhos, nunca um filho do Pai é causa perdida”.



E daquele momento em diante nascia uma forte amizade entre Régis e o pastor. Todos os dias eles oravam e conversavam sobre a Bíblia e sobre Deus, Régis começava a sentir-se diferente, a pensar diferente e sentir que alguém se importava com ele. No dia da alta o pastor esperava o médico terminar as recomendações e depois ajudou Régis a vestir a roupa que havia levado para ele, ainda estava fraco, mas em franca recuperação. O pastor Mendes o levou para sua casa por uns dias até ele se recuperar completamente. Uma nova vida se descortinava para Régis, pois o pastor ofereceu-lhe uma vaga de zelador da Igreja, ele teria onde morar e um salário, além de poder aumentar sua fé e ampliar seus conhecimentos sobre a Bíblia e a religião. Um momento muito novo em sua vida, ele teria que fazer uma escolha entre uma nova chance que a vida estava lhe dando ou voltar para a rua. Escolheu ser zelador e começou seu trabalho, começou a fazer muitas amizades, fazia seu trabalho com seriedade e todos o respeitavam. Tinha um respeito e um carinho especial pelo pastor Mendes, pois ele o tirara do fundo do poço e lhe dera uma chance de recomeçar sua vida. O acidente que aparentemente teria sido uma tragédia, o trouxe de volta à vida e o fez encontrar Deus.
Foi um recomeço em sua vida, um renascimento, talvez, antes estivesse morto, agora estava vivo de verdade, e aceitar Deus na sua vida e no seu coração tinha sido grandioso, agora sentia paz no seu coração. Sempre freqüentava os cultos e resolveu procurar sua família e também fazer um trabalho de evangelização junto àqueles que viviam na rua, seus antigos companheiros de rua e bebida. Queria ser útil e poder ajudar a outras pessoas. Em algumas folgas que tinha, já havia ido procurar sua família, ainda não tinha encontrado os seus, mas não desistiria. Voltou algumas vezes ao lugar que morava quando fugiu, sua família não estava mais lá, mas, através de alguns antigos moradores conseguiu chegar até sua mãe, que morava numa casa de família, trabalhava como doméstica. Foi um momento muito emocionante para Régis poder rever sua mãe quase vinte anos depois de ter fugido. Poder abraçá-la e pedir perdão foi um momento de profunda emoção. Como se sentia feliz podendo estar junto a sua mãe. A partir daquele momento eles sempre se viam, e aos poucos foi revendo alguns irmãos e irmãs, soube que três tinham morrido e o padrasto também. Teve a chance de viver a dádiva de amar a mãe e poder expressar o amor filial.



Começou um trabalho de evangelizar àqueles que viviam na rua sem perspectiva, no álcool e na droga, dormindo embaixo dos viadutos, nas esquinas, nos bancos das praças, no asfalto cru, como ele já dormira no passado. Régis foi um homem que saiu da sarjeta, da cama de asfalto e da miséria material e espiritual, e num encontro espiritual com Deus permitiu que Deus agisse em sua vida e transformou-se num agente social transformador, possibilitando que outras pessoas pudessem também viver a espiritualidade e tivessem uma nova chance como ele teve.



JANAINA ISMENIA DE MELO.
(fotos tirada da internet)

Um comentário: