segunda-feira, 29 de março de 2010

NAIARA!!!

Naiara acorda numa TPM braba, cuspindo marimbondo. Toma um café com leite e um sanduíche e corre para o ponto de ônibus, detestava andar de ônibus, lotado então, era a morte. E quase todos os dias pegava o ônibus lotado para ir para a universidade. Entrou no ônibus, não tinha espaço nem para pensamento, mais, mesmo assim, foi passando até o meio, ficou imprensada entre os que disputavam espaço ali, e o motorista parece que adorava dar freadas bruscas, não era ele que estava imprensado naquela lata de sardinha, filho da mãe.

 Já que não tinha jeito mesmo, se concentrava em observar as pessoas que ali estavam, umas ainda dormiam, ora com a cabeça batendo na vidro da janela, ora com o pescoço pendendo para o lado ou para frente, outras falavam da vida alheia, outras reclamavam do motorista, o pior é quando alguém espirrava perto dela, Naiara morria de nojo de espirro, ficava furiosa, se irritava também com os espertinhos que sempre se aproveitavam da lotação e passavam se esfregando, tirando uma casquinha, casquinha nada, era quase um estupro,que absurdo.

“Vão se esfregar na puta que o pariu”, pensava ela.


Nesse dia, além de já estar num TPM pra lá de horrível, nem ela mesmo se suportava nesses dias infames, estava atrasada, e ainda tinha que agüentar uma cambada de pião falando besteira e rogando praga para que aquela lata velha quebrasse, pois não é que pegou, a porra do ônibus quebrou quando ainda faltavam três paradas para a universidade.

“Puta que pariu, vou ter que ir à pé nesse sol, que merda, hoje realmente não é meu dia.”

Chegou à sala de aula esbaforrida de calor e cansada, pois foi num passo rápido para não perder a prova. Quando pega a prova e lê, fecha os olhos, respira fundo umas trinta vezes para não cair de pau naquela idiota da professora.

“Como é que essa imbecil dessa professora cobra uma coisa que ela ainda não deu em sala?”

Naiara passa os olhos pela sala e observa todos fazendo a prova, será que só ela estava indignada? Será que só ela era revoltada ou seria a TPM?

“Meu Deus, que povinho mais conformado, ninguém vai reclamar? ninguém vai falar nada? Isso é uma turma ou uma manada? Toda vez eu falo e me lasco sozinha, fica todo mundo calado e eu sou a revoltada, a subversiva, a chata, que ódio. Mas eu não agüento, eu vou reclamar. Professora, posso fazer uma pergunta?

“Claro Naiara”.

“Como é que a senhora está cobrando uma coisa que ainda não deu em sala?”

“Isso foi falado em sala sim, você deve ter faltado”.

“Eu não faltei nenhuma aula sua, e isso não foi debatido, muito menos explicado e agora a senhora cobra como se tivesse sido dado.”

“Naquela primeira aula isso foi falado sim.”

“Naquela primeira aula, isso foi falado muito superficialmente, mas, a senhora não explicou sobre a atuação do psicólogo na rede básica de saúde, não explicou quais os diversos modos de atuação do psicólogo na saúde pública, como ele integra as equipes do CAPS (Centro de apoio psico-social) e do NASF (Núcleo de apoio sócio-familiar) e nada dessa atuação, nem deu texto e agora cobra sem ter minimamente explicado, isso é um absurdo. E a turma, todo mundo calado? Só eu que reclamo? Ou eu estou louca? Pessoal, ninguém tem nada para falar?

Silêncio.

“Pelo jeito Naiara, só você está incomodada.” Silêncio que a prova já começou e você está atrapalhando quem já está fazendo a prova.”

Naiara levantou-se, rasgou a prova e saiu. Foi direto para a coordenação do curso, falou com a direção e fez sua reclamação, mas, sentiu que não ia dar em nada e só ela se prejudicaria. Foi reclamar na ouvidoria, conversou com o ouvidor e pediu para que fosse anulada aquela prova e a professora explicasse e desse material para poder ser cobrado. O ouvidor falou que iria tomar providências.

Naiara saiu da universidade “fumando numa kenga”, puta de raiva, estava com mais raiva da turma do que da professora. Que turma traira. Estava muito chateada, que povinho alienado, sem consciência política, sem capacidade para lutar pelos seus direitos, também, esperar o quê numa universidade particular, onde a maioria é filhinho de papai, o que interessa é o diploma, o resto que se exploda, que ódio. Imagine quando esses mauricinhos e patricinhas forem atuar profissionalmente, e derem de cara com a realidade, que não é nada cor de rosa como a vidinha abastada de papai. Vão ficar desorientados com o sofrimento, a fome, a pobreza, a miséria, a falta de estrutura nos postos de saúde, isso, os que forem para a saúde pública, que esses talvez acordem do seu mundo de cinderela, os que forem para a iniciativa privada, vão para continuar defendendo os que têm dinheiro, infelizmente, a psicologia ainda é uma profissão elitizada e ainda serve a muitos interesses elitistas, tanto na clínica elitizada, quando nas organizações capitalistas, vivemos num capitalismo selvagem. Só os que forem para a saúde pública e para a psicologia social, talvez acordem com o choque de realidade que vão ter, ao se defrontarem com a pobreza e as questões sociais sérias desse meio social, talvez consigam desenvolver tardiamente seu senso político e sua consciência política e de cidadão e profissional da saúde.

Chega em casa, almoça, e como estava muito indisposta, com cólica e muito chateada com o episódio da universidade, vai pra cama, dorme a tarde inteira, acorda indisposta, estuda um tempo, janta sozinha e pensa sobre sua vida e sua solidão, chora tomando café com leite e com um pedaço de pão na boca.


“Odeio esses dias de TPM, me sinto um lixo, parece que todo sofrimento que eu escondo tanto de mim mesma, nesses dias se agigantam e não consigo fugir de toda essa tormenta. Que solidão e tristeza. Vou tomar banho pra lavar meu corpo e minha alma, depois vou dormir, não quero ficar pensando loucamente em todas as dores que sinto, senão vou enlouquecer, amanhã é outro dia, e talvez essa porcaria de TPM já esteja mais branda, tudo vai ficar bem, eu preciso acreditar nisso.”

Foi dormir imersa em seus pensamentos e suas reflexões.

Janaina Ismenia de Melo.
(fotos tirada da internet)

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