quarta-feira, 4 de novembro de 2009

AS CONTRIBUIÇÕES DE REICH PARA A PSICOTERAPIA CORPORAL.




                                                                                          














                             

  “O Amor, o trabalho e o conhecimento são

                                                                                                             as fontes da nossa vida. Deveriam

                                                                                                                                 também governá-la.”

                                                                                                                                          Wilhelm Reich





Este trabalho tem como objetivo um estudo sobre a teoria reichiana e sua importância para a psicoterapia corporal. Entender a importância crucial do corpo na relação terapêutica e na relação do paciente consigo mesmo. Entender o corpo como expressão do Ser, como expressão da emoção. Nosso corpo somos nós, é nossa realidade perceptível, por isso, é fundamental ter consciência do corpo e suas necessidades e desejos. Entender a importância do corpo na história do sujeito para poder enquanto terapeuta fazer intervenções acertadas e significativas. Na psicoterapia, com cada cliente no setting, enquanto terapeutas, pensamos: o que se partiu? O que se perdeu? Como este cliente se desintegrou? Nosso papel enquanto terapeutas é construir pontes para nossos clientes para seu processo de ressignificação. Todo cliente que chega com sua dor traz o que o fragmentou, o que o distanciou da sua essência. A couraça aprisiona e encobre a essência. Essência é o âmago do ser, onde brota a força do ser. Trabalhamos com a respiração, movimento e linguagem, as formas que a biossíntese tem de abrir caminho para o cliente poder entrar em contato com sua essência novamente. A flexibilização das couraças é fundamental para entrar na segunda camada que Reich fala (dor, raiva, medo...), para poder chegar à terceira camada que é a essência, onde existe a cura, o amor, a espontaneidade. Para Reich, a história do sujeito está na couraça, no corpo, daí ele sistematizar todo um estudo das couraças e de como trabalhá-las, e a partir dele, várias correntes corporais se originaram dentro da psicoterapia.


Reich foi um médico e cientista brilhante, que ousou mergulhar fundo nas pesquisas da sexualidade humana, que ampliou seus estudos e leituras em vários campos do saber, como a sociologia, política, filosofia, biologia, literatura. Teve uma profunda influência da filosofia e do Materialismo Dialético, das questões existenciais que são do campo filosófico, leu vários filósofos, em especial Henri Bergson e Marx. Questões Fundamentais que Bergson trabalhava filosoficamente vão interessar Reich, como a questão da intuição, do tempo, da memória, do real e do possível. A ciência da vida, a medicina, a psicologia, incluindo ai a questão da linguagem e o processo de subjetivação vão interessar muito a Bergson. A filosofia bergsoniana vai de encontro ao positivismo e ao racionalismo do século XIX, ele vai trabalhar com a metafísica do Devir, da mudança, ou seja, o que é vida? O que constitui a essência mesma da vida? A questão da potência é muito importante para ele, e para Nietzsche, que vão influenciar de uma forma profunda o pensamento de Reich, que sempre se inquietou com essa pergunta: o que é a vida?


Reich desenvolveu um método de análise do caráter, método este que via o caráter como uma proteção defensiva contra as ameaças às necessidades primárias. Este caráter toma forma no corpo nas tensões musculares (couraças). A sacada de Reich é que ele não ficou preso na linguagem, como Freud, ele foi para o corpo e o que o corpo dizia sem palavras, mas estava materializado em tensões e dores, ou seja, domínios da psique que muitas vezes a linguagem não consegue exprimir nem alcançar, pois são do domínio do simbólico e do corporal. Para Reich os distúrbios têm a ver com a questão: o que eu sou? Para ele, a neurose não é só a expressão de um distúrbio psíquico, mas, em um sentido mais profundo, um distúrbio crônico do equilíbrio vegetativo e da mobilidade natural que limita o viver pleno. É muito importante o sujeito se conhecer a partir do seu corpo, neste sentido, a rigidez gera uma imobilidade na vida. Reich entende que o caráter aprisiona a carga emocional do conflito original. A formação do caráter tem fatores determinantes, a saber, a fase na qual o impulso é frustrado; a freqüência e a intensidade da frustração; os impulsos contra os quais as frustrações são diretamente dirigida (a história, o que aconteceu no corpo, como o corpo traz a história); a correlação entre indulgência e frustração; o sexo da pessoa diretamente responsável pela frustração. Estas questões são fundamentais na formação do caráter do sujeito e na construção teórica reichiana.


Reich trabalhou com Freud na década de 1920, e manteve vivo o trabalho inicial de Freud e Breuer, que enfocava a economia de energia da neurose e a liberação expressiva da emoção. Ele desenvolveu seu método de Análise do Caráter em Viena e Berlim, este método via o caráter como uma proteção defensiva contra as ameaças às necessidades primárias. Alguns anos mais tarde, ele desenvolveu a Vegetoterapia, o qual trabalha diretamente com as raízes somáticas da resistência caracteriológica, sob a forma de um sistema de tensão muscular que ele denominou de couraça. A neurose estava fisiologicamente ancorada nestas tensões e em distúrbios associados do ritmo respiratório. Ele tem uma importância fundamental na psicoterapia corporal. Ele fez suas pesquisas sobre a sexualidade e a teoria do orgasmo entre 1921 e 1924. Antecipou e estabeleceu a base para todas as contribuições subseqüentes, incluindo a teoria da análise do caráter. Ele partiu da teoria da libido de Freud para formular sua teoria do orgasmo. De 1926 a 1934 ele trabalhou com a Teoria da Análise do caráter: Liberação da Energia Psíquica e da blindagem (couraça) do caráter. Em 1935 cria a Vegetoterapia caracterioanalitica: Liberação da energia psíquica, da blindagem (couraça) do caráter, da blindagem muscular e estabelecimento da potência orgástica. A neurose de caráter é vista no campo fisiológico. A partir de 1939 Trabalha com unidade funcional. Orgonoterapia:Compreende todas as técnicas médicas e pedagógicas que usam a energia biológica - Orgone. Trabalha o aparelho psíquico e o aparelho físico. Concepção da homogeneidade do organismo.
O ser humano enquanto um ser de energia pulsante e metabolismo ativo vive um constante processo de interação com o meio e consigo mesmo. É neste processo de construção do sujeito e das experiências desde a infância que vão se ancorando no corpo as vivências, os traumas e as dores, vão se encouraçando, segundo Reich. Ele vai estudar os bloqueios de natureza emocional e muscular, formando as couraças e as psicopatologias. Reich via a estase da libido expressa como uma estase da energia sexual, que resultava em uma capacidade reduzida para o contato profundo e a gratificação orgástica. A vegetoterapia usa toques e movimentos expressivos para restaurar impulsos reprimidos que estavam travados na couraça muscular, levando o cliente a recobrar a função da pulsação em seus tecidos e expressões, e isto emergia espontaneamente, à medida que a couraça muscular se dissolvia.
A análise dos sintomas histéricos revelou a origem sexual desta excitação: “o resultado mais importante a que se chegou através da busca contínua pela análise é que qualquer que seja a causa e o sintoma tomados como ponto de partida, no final, caímos infalivelmente no campo da experiência sexual”. Freud comentou, em 1894, quando primeiro chegou a esta conclusão, que era fácil perceber porque idéias intoleráveis deveriam surgir precisamente em relação à vida sexual. (Boadella, 1985, p.18).
A teoria do orgasmo tem sua base em três questões fundamentais que Freud não deu conta de solucionar com a teoria da libido, e acabou deixando de lado em favor da psicologia do ego. Reich vai pesquisar a fundo essas três questões para criar sua teoria do orgasmo. A primeira questão é sobre a tensão sexual e a experiência do prazer. A segunda questão passa, entre outras questões, por uma angústia e uma franca ausência de prazer, ou seja, passa pelo que Reich chamou de importância terapêutica da libido genital. E a terceira está na teoria econômico-sexual da angústia.
Reich definiu potência orgástica como “capacidade para entregar-se ao fluxo da energia biológica sem inibição, a capacidade para a descarga completa de toda a excitação sexual reprimida através de contrações involuntárias do corpo” (Boadella, 1985, p.22).
A Biossíntese criada por David Boadella nos anos setenta teve como base a terapia reichiana. Teve forte influência da embriologia e dos estudos da vida intra-uterina. Os estudos de Keleman, da anatomia emocional, também foram fundamentais para a base teórica da biossintese. Boadella introduziu a abordagem dinâmica de Frank Lake em Londres e começou a ver que a sua abordagem terapêutica – biossintese – envolvia a reunião de três diferentes tradições desenvolvidas a partir de Freud, a saber, uma traçada por Reich, Lowen e Gerda Boyesen, que enfocava o fluxo da energia libidinal; a outra que se originava em Otto Rank, seguindo até Francis Mott, que enfocava a experiência pré-natal; e uma terceira, que passava por Melanie Klein, Os terapeutas que trabalhavam com relação objetal, e Frank Lake que enfocava a relação mãe-filho. A junção de todos estes aparatos teóricos formou a biossintese como a Integração da Vida. A partir de Reich, várias correntes terapêuticas originaram-se como a biodinâmica, a bioenergética, a biossintese, a biossistêmica, entre outras. A biossintese herdou de Reich a visão na qual a pessoa pode ser compreendida a partir de três níveis de profundidade existencial. Na superfície vemos a máscara: uma armadura de proteção do caráter formada como uma defesa às ameaças à integridade do indivíduo na infância, ou até mesmo antes. As defesas do caráter apresentam um falso self, que oculta o verdadeiro self, que foi ameaçado na infância. Quando estas defesas começam a afrouxar-se, uma segunda camada de sentimentos dolorosos, incluindo a raiva, a ansiedade e o desespero, aparecem. Sob esta camada existe outra, a primária, formada por sentimentos centrais, nucleares de bem-estar, amor e auto-confiança. As defesas do caráter permitem às pessoas serem classificadas de acordo com seus padrões de defesa. A singularidade de uma pessoa está fundamentada em seu físico e corporificada em seus tecidos. A biossintese não vê a pessoa reduzida somente ao seu corpo físico, vê também o corpo energético, ou seja, o bioplasma, pois a biossintese reconhece a existência somática e trans-somática. O objetivo na terapia é reintegrar a pessoa a um estado de pulsação saudável, na qual as atividades vitais básicas são rítmicas, prazerosas e funcionam em direção a um contato mais intenso consigo próprio e com os outros.
Quando um cliente chega para iniciar seu processo terapêutico, ele vem com uma história, com várias vivências e lembranças, com toda a bagagem que lhe constitui enquanto sujeito, um sujeito social, familiar, profissional, psíquico. A Biossíntese é uma linha psicoterapêutica que trabalha o sujeito, este sujeito desejante-pulsional desde a vida intra-uterina, resgatando e ressignificando seus traumas e dores emocionais e trabalhando as mais diversas dimensões do Ser durante o processo terapêutico. O grounding como enraizamento é uma questão central na bioenergética e nas psicoterapias corporais, incluindo a biossíntese, e uma das ferramentas fundamentais no setting terapêutico. Neste processo se faz presente o trabalho com o grounding, o centring, o facing, o souding até a bioespiritualidade.
Reich já postulava que o corpo era a expressão do ser, e ele já afirmava a importância do corpo na história do sujeito, daí ele ter desenvolvido todo um trabalho teórico da análise do caráter a partir das couraças. Para Reich a neurose não é só a expressão de um distúrbio psíquico, mas, em um sentido mais profundo, um distúrbio crônico do equilíbrio vegetativo e da motilidade natural que limita o ser pleno.
É fundamental o terapeuta entender a história do sujeito e acima de tudo estar presente, pois só estando presente e atento pode criar ressonância entre terapeuta-cliente. Desenvolver a escuta, e aprender a ver o que o cliente mostra através do corpo, é um trabalho de ver, ouvir e sentir que têm que estar integrados. Na Biossíntese a reintegração terapêutica trabalha com o desbloqueio da respiração e dos centros da emoção (centring), com a retonificação dos músculos e a integração postural (grounding) e com a vinculação (sounding). O grounding estrutura a pessoa a funcionar na vida. Algumas experiências associadas ao grounding como entrar em contato com a tristeza, entrar em contato com as sensações pélvicas profundas, o que é ameaçador para algumas pessoas, ficar de pé sobre seus pés, que aponta para a capacidade de ficar só, o que muitas pessoas relutam em aceitar essa realidade, tudo isso é trabalhado no setting. Existem inúmeras dificuldades na falta de grounding, como a dificuldade no olhar para o outro, altera a capacidade de se relacionar, dificulta o contato com as dores internas e muitas outras dificuldades. O grounding na terapia visa estabelecer o contato com o chão. Analisa como a pessoa aprendeu a se comunicar e a possibilidade de novas formas de comunicação, ajuda a sentir seus próprios impulsos internos na vivência social, como ela se construiu no passado, e que nova forma de firmar-se pode ser possível.
Biossíntese significa INTEGRAÇÃO. Integração de sentimento, pensamento e ação. O grounding interior é o contato com a ESSÊNCIA, com a profundidade de nosso Ser, com a firmeza interior de onde brota a energia criativa, é na essência que está nossa energia de cura.
A elaboração teórica deste trabalho possibilitou um aprofundamento nos meus estudos sobre Reich e sua teoria, enriquecendo meus estudos da biossintese. Foi possível fazer uma articulação da importância da teoria reichiana e da formação da biossintese, enquanto uma das escolas da psicologia corporal que vieram a partir da teoria reichiana, e fazer esta articulação me permitiu uma visão mais ampla da história das linhas corporais.
É fundamental para um terapeuta, uma sólida formação teórica aliada a uma intuição e experiência no setting, que vai adquirindo-se a cada dia no consultório. A formação em biossintese juntamente com os estudos e aprofundamentos teóricos, é o caminho que estou percorrendo e construindo para ser uma psicoterapeuta competente e comprometida com a clínica e com os clientes, podendo contribuir para o resgate ético, social, psíquico e espiritual daqueles que passarão pelo meu caminho profissional na clínica.



  "A vida brota a partir de milhares de fontes vibrantes, entrega-se à todos que a agarram, recusa-se a ser expressa em frases tediosas, aceita apenas ações transparentes, palavras verdadeiras e o prazer do amor (...)"



Wilhelm Reich (1939), em "Beyond Psychology", Ed. Farrar, Straus and Giroux, 1994





Referências Bibliográficas


Anotações de sala de aula. Curso de Biossíntese (5ª turma) – formação internacional de psicoterapeutas. Instituto Brasileiro de Biossíntese do RN. Natal, RN.



BOADELLA, D. (1992). Correntes da Vida – uma introdução à Biossíntese. Tradução de Cláudia Soares Cruz. São Paulo: Summus.


BOADELLA, D. Nos Caminhos de Reich. Tradução: Elisane Reis Barbosa Rebelo, Maria Silvia Mourão Neto, Ibanez de Carvalho Filho. – São Paulo: Summus, 1985.


BERTHERAT, Tèrese. O corpo tem suas razões. São Paulo: Martins Fontes, 1977.


KELEMAN, S. (1992). Anatomia Emocional. Tradução de Myrthes Suplicy Vieira. São Paulo: Summus.


LOWEN, A. (1982). Bioenergética. Tradução de Maria Silvia Mourão Neto. - São Paulo: Summus, 1982.


REICH, WILHELM. Análise do Caráter. Tradução de Ricardo Amaral do Rego. – 3ª Ed. – São Paulo: Martins fonte, 1998.


REICH, WILHELM. A Função do Orgasmo.17ª Ed, 1992. Ed. Brasiliense.


WEIGAND, O. (2006). Grounding e Autonomia: a terapia corporal bioenergética revisitada. São Paulo: Person.

2 comentários:

  1. Minha amada:

    Quanta riqueza de conteúdo. Um artigo elucidador e instigante, que faz querer ler mais sobre Reich. Incrível.
    Parabéns!!

    PS: EU TE AMO, ROCHA DA MINHA VIDA!!

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